terça-feira, 8 de abril de 2014

PENÍNSULA DA CRIMÉIA: ao olhar o mapa, você percebe que a Península da Criméia é um território estratégico, situado na costa do Mar Negro, ao sul da Ucrânia e a leste da Rússia. Não chega a 30 mil quilômetros quadrados e a população, incluindo Sebastopol, tem aproximadamente 2,4 milhões de habitantes (menor que o Uruguai). Dados recentes mostram uma mistura heterogênea. 58% são russos, 24% são ucranianos e 12% são tártaros (grupo que compõe a minoria muçulmana). A longa e conturbada história da Criméia registra a invasão, ocupação e dominação por vários povos: cimérios, antigos búlgaros, gregos, citas, romanos, godos, hunos, bizantinos, venezianos, genoveses, turcos, russos, a extinta União Soviética e, agora, a Federação Russa. Sua capital é Simferopol.

ACONTECIMENTOS RECENTES: com a crise deflagrada em março de 2014, quando o povo da Ucrânia foi às ruas para exigir fazer parte da União Européia, conflitos violentos e incontroláveis aconteceram, culminando com a deposição do presidente Viktor Yanukovich, um homem fiel a Moscou. Esse afastamento do presidente foi considerado uma derrota, a primeira, de Vladimir Putin. A partir disso, em 11 de março, o Parlamento da Criméia adotou a Declaração de Independência, preparando-se para o plebiscito de 16 de março, quando ocorreu a vitória (97%) pró-integração à Federação Russa. A comunidade internacional (leia-se a maior parte do Ocidente) e a Ucrânia rejeitaram o resultado e defenderam sanções à Rússia e ao seu presidente Vladimir Putin. Este seguiu em frente e anexou a Criméia. A preocupação do Ocidente vai mais longe e receia que a Rússia possa fazer disso um hábito, incorporando outras regiões do "exterior próximo".

RÚSSIA: na opinião de Vladimir Putin, a fragmentação da União Soviética em 1991 foi "a maior tragédia do século". A partir desse momento, houve um período de "caos e turbulência", na verdade a continuidade do "desmantelamento do império vermelho". Com todas as dificuldades, nos últimos 25 anos, mais ou menos, bem ou mal, com problemas pontuais e diferenças em política internacional, a Rússia cooperou com o Ocidente e, em contrapartida, também recebeu ajuda. Já na segunda década deste novo século, a Rússia emerge como nação consciente do que perdeu e disposta a recuperar o seu prestígio.

IMPÉRIO: A Rússia sempre foi um império importante, mas depois da desintegração da União Soviética, pouco sobrou desse antigo império. Já no ano 2000, a plataforma de trabalho de Vladimir Putin incluía "reafirmar a influência russa na região". No plano internacional, a Rússia continuava membro do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) e possuidora de um potencial bélico e nuclear. Em termos econômicos, transformou-se na maior fonte de energia para a União Europeia (é a maior fornecedora de gás para a Alemanha). A primeira das preocupações russas reflete o "exterior próximo" e nada está mais próximo do que a Ucrânia. Por isso, a resistência e a contrariedade a respeito da Ucrânia ser um país ligado à União Europeia, ficando sob a influência do Ocidente. Para a Rússia, isso é considerado "perda de território". Convém prestar atenção na movimentação a leste da Ucrânia, principalmente em Donetsk, onde há forte presença russa e também sentimentos separatistas.

PROBLEMAS: a Rússia tem graves problemas, alguns desconhecidos ou pouco compreendidos no Ocidente. Hoje, 25 milhões de russos vivem nas antigas repúblicas soviéticas, boa parte na Ucrânia. Constatações demográficas indicam que a Rússia vê diminuir gradativamente sua população e, estudos atestam que sem providências ela poderá perder, até 2050, de 40 a 50 milhões de habitantes. Vladimir Putin sabe de tudo isso e mostra-se propenso a investir na recuperação do antigo prestígio e brilho da cultura russa, tornando-a atrativa novamente (fez da Olimpíada de Inverno uma vitrine). A primeira providência é não perder influência no "exterior próximo". A anexação da Criméia foi imediata. Lá o rubro, moeda russa, já foi adotado e foram também nacionalizados os campos de gás. Em outras palavras, os russos não estão para brincadeiras, goste ou não o Ocidente.

SERIEDADE: convém realmente levar a sério as manobras russas na região. Apesar de uma “anexação não reconhecida” (pelo Ocidente e pela Ucrânia), a Rússia está trabalhando, seguindo com as providências. Além da moeda e "nacionalizações", Dmitri Medvedev, primeiro-ministro russo, já visitou a região, anunciando uma "zona econômica especial" na Criméia e prometendo aumento de salário aos funcionários públicos e aumento dos soldos aos militares, os quais aderem às pencas para o lado russo. Outras atitudes russas deveriam levar o Ocidente a olhar com mais atenção a confusão por lá e buscar urgentemente soluções diplomáticas, não descartadas pela Rússia. Entre essas, duas são importantes: a) existem 50 mil soldados russos ao longo da fronteira com a Ucrânia e b) Putin defende uma "reforma constitucional na Ucrânia", como forma de "proteger" a população russa que lá vive. Por último, registra-se que as forças armadas russas vêm sendo modernizadas e herdaram o grande acervo, em material bélico e inteligência, dos tempos da Guerra Fria, algo que inibe o Ocidente e seu braço militar na região, a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte).

IMPASSE: com todas as dificuldades, a Rússia viu como muito problemática a adesão da Ucrânia à União Europeia. Manter a Ucrânia como "área de interesse" sempre foi objetivo prioritário para a Rússia. Então, para os russos, essa "interferência" nada mais foi do que a continuidade de outras ações, todas para ampliar na região a influência da União Européia e dos Estados Unidos "às custas da Rússia". Essas "outras ações" foram a Guerra do Iraque em 2003 e a independência de Kosovo em 2008, acontecimentos que reforçaram a crença da Rússia de que o Ocidente quer reduzir o seu poder. No caso da Ucrânia, a Rússia se viu diante de um impasse: perder a Ucrânia para a União Européia e manter a Criméia e Sebastopol. Em curto prazo, Putin preferiu optar pelo mais fácil. No futuro, não se sabe e este é o medo do Ocidente.  

DIVERSIDADE: uma discussão que ficou à margem das discussões sobre os problemas ucranianos, talvez possa assumir sua importância em futuro próximo: a ideia de nação. Os dicionários mostram o verbete "nação" como uma comunidade humana, geralmente ligada por laços culturais, linguísticos, étnicos ou religiosos. A população da Criméia, em sua maioria, fala o idioma russo e, neste caso, preenche uma das características essenciais para se ligar à Rússia. Mas, existem inúmeros exemplos no mundo, onde isso não se deu. Bélgica e Suíça, por exemplo, são países com diversidade linguística e cultural. Se olharmos para um único país, mantido unido praticamente à força durante a vigência da União Soviética, a Iugoslávia, veremos que dali sairam Bósnia, Macedônia, Eslovênia, Sérvia, Montenegro e Croácia. Há comunidades ligadas sem muita convicção a alguns países, caso do Tibete em relação à China. Há outras, cujo imperativo para a sua existência foi o religioso, caso de Israel, onde há grandes discussões em função desse fundamento que, às vezes, ignora a origem das pessoas e desconsidera até mesmo gente nascida no país. Ou seja, há uma enorme diversidade e o mundo tem muitas situações peculiares.

CONCEITO DE NAÇÃO: já vimos como os dicionários abordam o verbete "nação", mas podemos nos estender um pouco mais neste tópico. Nação, segundo o célebre socialista austríaco Otto Bauer, é"o conjunto dos homens ligados por uma comunidade de destino a uma comunidade de caráter", algo rigoroso, fundamental. Joseph Stalin, que já saiu de moda, resumiu assim: "A Nação é uma comunidade humana, estável, historicamente constituída, nascida sobre a base de uma comunidade linguística, de território, de vida econômica e de formação psíquica que se traduz em uma comunidade cultural", o que é mais esquemático, porém de menor conteúdo intelectual. Há inúmeras outras definições interessantes. Benedict Anderson, em seu livro "Comunidades imaginadas", diz que nação "é uma comunidade política imaginária, e imaginada como intrinsecamente limitada e soberana". Da ideia de nação surgiu a ideologia nacionalista. O nacionalismo é ainda muito evidente no século 21. Os acontecimentos na Península da Criméia também podem ser vistos sob esse prisma.

BRASIL: o Brasil é um exemplo definido, onde se juntou vasto território com língua e origem comuns, mas há quem diga que aqui o Estado surgiu antes da Nação. A única independência ocorrida no antigo território foi a da Província Cisplatina, hoje Uruguai, onde não se falava o português, mas isso não explica a separação (há outras circunstâncias). Alguns fatos aqui foram rapidamente incorporados à história: Independência, Tiradentes e Proclamação da República, para ficar somente nos mais evidentes. O Brasil é um milagre em termos de unidade e conseguiu abafar todos os movimentos separatistas. Contudo, ainda a Nação não está totalmente construída: sua democracia é instável e incompleta, há muita corrupção e as instituições não são reconhecidas pelo povo. A diplomacia brasileira, que surgiu antes (veio com D. João VI), foi muito criticada, especialmente pelos Estados Unidos, porque não se manifestou em relação aos acontecimentos da Ucrânia.

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