segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Opinião de Fernando H. Cardoso: A nova lei trabalhista

Não se podem estancar as mudanças que as novas maneiras de produzir acarretam. Mas os que temos consciência democrática e preocupação sincera com a desigualdade devemos estar atentos e atuar para que a modernização tecnológica não sirva de álibi para enfraquecer o poder de barganha dos trabalhadores.

Fernando Henrique Cardoso*

Vivemos um novo momento da História no qual as inovações e a transformação das relações de trabalho ocasionadas pelas novas tecnologias dão o compasso da vida nas empresas. É compreensível, portanto, que se busque modificar a legislação trabalhista preexistente.

Há que se reconhecer, porém, que se, por um lado, as transformações tecnológicas aumentam a produtividade e impulsionam a acumulação de capitais, por outro, reduzem a empregabilidade e a força dos trabalhadores. Isso ocorre porque elas diminuem a demanda por mão-de-obra, mesmo a mais qualificada, substituída por “máquinas inteligentes”, e porque permitem dispersar e diversificar as formas de inserção no mundo do trabalho. Aumentam, portanto, o poder de barganha dos controladores do capital e fragilizam a organização sindical dos trabalhadores, acentuando as desigualdades.

É preciso, consequentemente, fortalecer os sindicatos para que se tenha um “capitalismo civilizado”, o único compatível com o regime democrático. O fim da contribuição sindical obrigatória é uma oportunidade para esse fortalecimento. A sua existência levou à proliferação excessiva de sindicatos e a que parte deles se acomodasse no financiamento garantido, sem se esforçar por aumentar o número de associados ou mesmo sem cumprir suas funções básicas na defesa dos interesses dos trabalhadores.

Ser a favor do fim da contribuição obrigatória não significa descuidar da questão central do financiamento dos sindicatos. É justa a reivindicação de que, mesmo os trabalhadores não sindicalizados, devem contribuir para os sindicatos quando a categoria a que pertencem conquista aumentos salariais ou outros benefícios que favorecem a todos os membros dessa categoria. Qual o percentual dessa contribuição e qual o tamanho mínimo do quórum necessário para aprová-la é matéria a ser negociada. Mas o financiamento dos sindicatos não pode depender exclusivamente da aprovação individual de cada um dos membros da categoria, por uma razão óbvia: se eu me beneficiarei do acordo coletivo, independentemente de contribuir ou não para o sindicato, por que abriria mão de parte do meu salário em benefício do coletivo?

Para que essa contribuição “negocial” tenha legitimidade, é conveniente fixar um quórum relativamente alto para sua aprovação. Com os meios eletrônicos hoje disponíveis, é factível obter a anuência de parte significativa de uma categoria sem ter de reunir seus membros em assembleias. Penso que a introdução do voto pela internet, como uma opção não excludente ao voto com presença física em assembleias, seria um avanço no fortalecimento dos sindicatos.

Também nessa direção me parece importante que a representação sindical seja obrigatória em empresas de menor porte e não se limite àquelas com mais de 200 funcionários. E que se restabeleça a obrigatoriedade de a representação no local de trabalho estar ligada ao sindicato da categoria.

Não se podem estancar as mudanças que as novas maneiras de produzir acarretam. Mas os que temos consciência democrática e preocupação sincera com a desigualdade devemos estar atentos e atuar para que a modernização tecnológica não sirva de álibi para enfraquecer o poder de barganha dos trabalhadores.

(*) Sociólogo, ex-presidente da República. Publicado originalmente no portal Rádio Peão Brasil
Fonte: Diap

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