quinta-feira, 26 de junho de 2014

O preço do populismo tarifário

Para entender o aumento de 35% na conta de energia elétrica, autorizado pela Aneel, é preciso retroceder à canetada presidencial que baixou a tarifa na marra
Na véspera do Dia da Independência do Brasil, em 2012, a presidente Dilma Rousseff foi à televisão avisar aos brasileiros que a tarifa de energia elétrica iria baixar em 2013. “Vou ter o prazer de anunciar a mais forte redução de que se tem notícia, neste país, nas tarifas de energia elétrica das indústrias e dos consumidores domésticos”, disse, na ocasião, sobre a redução média de 16,2% para consumidores residenciais e 28% para o setor produtivo. Em janeiro de 2013, novamente em cadeia nacional de rádio e televisão, ela voltou a anunciar a redução na tarifa, após assinar um decreto e uma medida provisória sobre o tema. Para conseguir a “colaboração” das distribuidoras de energia elétrica, o governo usou como moeda de troca a prorrogação de concessões que incluem usinas e linhas de transmissão. Sem retroceder a essa canetada governamental, é impossível analisar o aumento de 35% na conta de energia elétrica que a Agência Nacional de Energia Elétrica autorizou na terça-feira, a pedido da Companhia Paranaense de Energia (Copel).
A redução unilateral da tarifa, determinada por Dilma, causou um efeito cascata no setor elétrico nacional e, no fim, acabou sendo o contribuinte brasileiro a pagar pelo foguetório governamental – anunciado, também é bom recordar, perto das eleições municipais de 2012. As empresas que não tinham certeza de que suas concessões seriam renovadas já tinham colocado seus investimentos em marcha lenta, e o resultado pode ser visto nos vários apagões que volta e meia deixam grandes áreas às escuras. A tarifa mais baixa não ajudou as companhias a investir mais. A Eletrobras topou o negócio proposto por Dilma ao reduzir o preço da energia em troca da renovação das concessões, e não só perdeu cerca de R$ 20 bilhões em valor de mercado desde então, como também viu um lucro líquido de R$ 3,7 bilhões em 2011 virar prejuízos de R$ 6,9 bilhões em 2012 e R$ 6,3 bilhões em 2013. A Copel, a mineira Cemig e a paulista Cesp não aceitaram os termos do governo, mas suas tarifas foram reduzidas da mesma forma.
E, enquanto os consumidores pagavam menos na conta, a energia ficava cada vez mais cara. Com as usinas hidrelétricas mais recentes sendo construídas “a fio d’água” – ou seja, sem grandes reservatórios –, qualquer estiagem já força a ativação das usinas termelétricas, cuja operação é mais cara, elevando o preço final da energia. A conta definitivamente não fecha, e, se essa diferença não estava sendo bancada pelo usuário que paga a conta de luz, alguém deveria estar arcando com o prejuízo – no caso, o Tesouro Nacional, ou seja, o contribuinte brasileiro, independentemente de quanta energia ele consuma. Em 2013, o subsídio foi de R$ 22 bilhões. Em 2014, segundo a consultoria PSR, serão mais R$ 25,6 bilhões.
A falta de investimentos causada pela insegurança em torno da renovação dos contratos e a canetada governamental para reduzir a tarifa de energia na marra bagunçaram o setor elétrico nacional. Agora, consertar o estrago exige um preço alto – e impopular. Foi a própria Copel que pediu à Aneel autorização para um reajuste médio de 32,4%, e o governador Beto Richa disse que trabalharia para evitar um grande impacto para os consumidores, adiando ou escalonando o reajuste. Aqui, pesa o cálculo político, pois Richa, da oposição ao governo federal, colheria em ano eleitoral as conse­quências de um grande aumento na conta de luz, apesar de todo o cenário que levou à situação atual ter sido desenhado pelo Planalto.
Não foi apenas o setor elétrico que sofreu com a política governamental de represar preços administrados. Basta ver como a Petrobras foi prejudicada com a resistência em permitir que os preços da gasolina reflitam as variações do mercado internacional. Tudo para manter a inflação sob controle – e, por “controle”, leia-se “perigosamente perto do limite superior da meta do Banco Central”. Mas, mais cedo ou mais tarde, a fatura do populismo aparece. E quem paga é sempre o cidadão.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

UGTpress

ENTRELINHAS: entrelinhas não é só o plural de "entrelinha", o espaço entre duas linhas. Vai mais longe: no sentido figurado, representa uma ilação ou dedução mental, algo implícito em termos de significado. Hoje, quando alguém lê um jornal ou uma revista precisa ter muita capacidade para "enxergar nas entrelinhas", ou, quase com certeza, perderá o principal da matéria e não entenderá todo o alcance do assunto. Especialmente no Brasil, onde os escândalos pululam e os meios de comunicação não podem (ou não querem) escancarar o problema, em geral uma crítica contra governos ou autoridades, você precisa ter um olho especial para aquilo que não foi dito ou escrito. As "entrelinhas", em seu sentido figurado, passaram a ter grande importância para a análise do que se lê. Vamos a um exemplo:

PETROBRÁS: se a prática da corrupção no país está disseminada em todos os escalões governamentais e em todas as instâncias políticas, não seria a Petrobrás, onde se movimenta a maior quantidade de recursos, a estar isenta dessa praga. No momento em que boa parte da sociedade brasileira está propensa a aceitar os seus negócios (mesmo os mais absurdos!) como legítimos, lá no canto da página A8, Folha de São Paulo, 17 de abril, há uma entrevista com a viúva do engenheiro Gésio Rangel de Andrade, a senhora Rosane França, de 56 anos, mãe de três filhos com Gésio, com duas frases emblemáticas: a) "sempre tinha alguém recebendo herança"; e b) "nunca soubemos de casos de corrupção, mas é lógico que você percebe que fulano viaja com os filhos para fora do país três vezes por ano". Simples, não? Lá nos cafundós da Amazônia, onde um gasoduto de 2,49 bilhões de reais ficou mais caro 2 bilhões de reais, surge a pobre viúva de um funcionário decente e diz duas frases, referindo-se não aos grandes dirigentes, mas à arraia miúda, aqueles funcionários menores, beneficiados com as esmolas do esquema maior. Isso basta para "nas entrelinhas" você deduzir que, no andar de cima, as coisas não vão bem.

JORNALISMO: muitas vezes, os profissionais da imprensa são bastante sábios para colocar de propósito, nas entrelinhas, dicas suficientes para o entendimento mais amplo da matéria. Em geral, isso está mais presente nos artigos de fundo, nas análises cotidianas, em colunas específicas ou em notas esparsas. Infelizmente, o que serve para o bem também serve também para o mal. Existem manchetes que induzem a determinados juízos quando, no corpo da matéria, o conteúdo não condiz com a chamada. Como grande parte dos leitores se atém à manchete, corre-se o risco de interpretações erradas. Somente uma pequena parcela de leitores está apta a "enxergar nas entrelinhas", deduzindo-se daí à baixa influência dos veículos impressos. Os noticiários televisivos, com suas notas superficiais e rápidas, levam grande vantagem na capacidade de influenciar o telespectador. Por isso, ser hoje largamente a forma de propaganda e publicidade preferida.

RECURSOS ECONÔMICOS: entre tantos fatores que levam a esses malabarismos midiáticos está a enxurrada de recursos econômicos que é drenada do poder público para as empresas de comunicação. Em 2013, nada menos do que valores acima de dois bilhões de reais. É por isso que, vez ou outra, sabemos de demissões de jornalistas ou de censura aos âncoras e, ainda, assistimos ocasionalmente a um noticiário chocho, sem pé nem cabeça. Não há mais análise, notas são lidas em tom monocórdio, sem inflexão, despretensiosamente, não se permitindo a mais leve indignação. Às vezes se capta o olhar do âncora, mas até nisso eles são atentos para não dar a mínima pista da sua contrariedade ou constrangimento. Não está nada fácil a vida dos jornalistas.  

OUTRA CONSTATAÇÃO: vamos já para o exemplo: todo mundo nota que Vladimir Putin está dando um show no Ocidente em termos de decisão. Sua rapidez para responder aos desafios da crise ucraniana e às medidas para anexar a Criméia foi mais do que eloquente. Enquanto isso, os líderes como Barack Obama ou chefes de governo da Europa, em lentidão paquidérmica, demoram séculos para responder aos mesmos desafios. A causa disso está na democracia. A democracia exige que Obama e os líderes europeus consultem a opinião pública, os parlamentos, observem as leis, enquanto lá no leste europeu, em função da tradição e de outros pormenores, as democracias são parciais e os chefes de governos gozam de maior autonomia. Evidente que não é só isso, mas salta aos olhos que governos democráticos, observadores das leis, têm mais dificuldades para tomar decisões. A democracia precisa ser aperfeiçoada para evitar que alguns apressados a tenham como limitante.

ATUALIDADES: quase terminando a primeira fase da Copa do Mundo de Futebol, nota-se um balanço inicial positivo: não foi o apocalipse apregoado em alguns segmentos e o país tem sido retratado no exterior com boa imagem, especialmente de seu povo, alegre e hospitaleiro. Problemas existem e são alvo de reportagens especiais. Nem seria possível escondê-los. Houve manifestações, algumas violentas, mas restritas a grupos minoritários. No quesito principal, o futebol tem sido uma Copa de surpresas e muitos gols, o que amplia o campo de notícias e faz a alegria da imprensa. Por enquanto, vamos bem.