quarta-feira, 17 de junho de 2015

UGTpress: CHINA/BRASIL: UM MUNDO À PARTE

NOVO CENÁRIO: há um cenário internacional se desenhando na América do Sul. Não é novo, vem de longe e parece firmemente baseado em um conhecimento crescente de nossas debilidades. Tem entrado forte na região um novo fator de hegemonia, o fator China, potência emergente, país pertencente aos BRICs. Como os países latino-americanos, em especial da parte de baixo das Américas, principalmente o Brasil, vão agir diante desse novo quadro não se sabe, por enquanto é uma incógnita. Sabe-se que a China possui um potente talão de cheques, baseado em décadas de superávit comercial (reservas atuais de aproximadamente 4 trilhões de dólares). Deste lado do mundo, alguns países extremamente necessitados de recursos, alguns entrando em crise. Especialmente, na Argentina, Brasil e Venezuela, a China é vista como uma alternativa de salvamento, um bote ao alcance de países potencialmente em dificuldades, endividados interna e externamente. Todavia, o quadro não é tão claro e talvez a equação não seja simples. A China é um império, de milenar experiência, com história visível nos últimos cem anos, que age estratégica e implacavelmente em busca de seus interesses. A ação da China na região tem visão de médio e longo prazos. Nada naquele país é decidido de afogadilho. As decisões são pesadas e pensadas. Portanto, investir no Brasil, comprar petróleo da Petrobras, tornar-se sócia do pré-sal, comprar minério da Vale ou ser parceira em infraestruturas é uma soma de interesses de grande magnitude, que requer também estratégia e cautela do outro lado, do lado brasileiro. Então, todo cuidado é pouco.
COMPLICAÇÕES: em geral, a China só libera recursos em negociações demoradas, considerando o ambiente de negócios e as vantagens no decorrer do tempo, seja lá quanto tempo levar. Em termos de tempo, ninguém é mais sábio do que o chinês. A China tem em mente a disciplina e a hierarquia, considerando negócios firmes e sem riscos. É um país com memória e suas intensas compras de matérias-primas brasileiras a preços elevados, algo que ajudou o Brasil a acumular reservas no passado recente, acabaram. Agora há uma nova realidade e os chineses estão com a faca e o queijo não mão: de um lado um país com reservas brutais em dólares e, do outro, um país debilitado por mazelas administrativas, altos índices de corrupção, falta de credibilidade de suas instituições e, no meio disso, sua maior estatal no olho do furacão. E ela sim, interessa muito aos chineses. Então, é preciso ter realmente precaução e cuidado.
AGRESSIVIDADE: a agressividade chinesa nos trópicos e em outras latitudes obedece a uma clara estratégia de globalização e inserção segura no panorama internacional. A China expande-se por outras regiões (África, América Latina e na própria Ásia), tendo em vista o TPP (Parceria Trans-Pacífico), um tratado de iniciativa norte-americana envolvendo muitos países na franja do Oceano Pacífico. Aqui, a China conhece nossas vulnerabilidades, sabe que o Brasil perdeu o bonde da história dos TLCs (Tratados de Livre Comércio), ficando cada vez mais isolado, aferrado a um Mercosul debilitado e, ainda, de pouco futuro. Então, como negociar com um gigante em ascensão, em um ambiente tão desfavorável? Sem contar que os chineses (e outros países e empresas que negociam com o Brasil) conhecem outros caminhos, atalhos perceptíveis pela decadência moral de nossa administração pública.
JOGO JOGADO: “A agenda chinesa é sempre precisa. Em geral eles querem recursos naturais e proteínas. Além disso, vendem serviços, bens e máquinas. Jogo jogado. A isso junta-se um interesse do Império do Meio de fornecer sua mão de obra para os projetos onde põe dinheiro. São mais qualificados, conhecem a empresa e às vezes custam menos”. A frase é de Elio Gaspari na Folha de São Paulo de 24/05, que também criticou o governo por transformar um estudo técnico numa ferrovia que atravessaria os Andes. Lembrou as promessas anteriormente feitas em relação ao trem-bala para o trecho Rio-São Paulo, obra que ficaria pronta para a Copa do Mundo ou, mais tardar, para as Olimpíadas do Rio de Janeiro. Hoje, em relação à Copa do Mundo existem mais de 20 obras inacabadas.
OPORTUNIDADES E RISCOS: para o professor Antonio Correia de Andrade, da PUC-São Paulo, há oportunidades e riscos nas relações bilaterais Brasil/China. Ele escreveu: “A relevância dos progressos de âmbito comercial é também um ponto de destaque, lembrando que a China se tornou o principal parceiro comercial do Brasil nos últimos dez anos, quando a corrente de comércio cresceu de US$ 9 bilhões para US$ 80 bilhões ao ano. Há, nesse aspecto, um desafio qualitativo. 90% da pauta brasileira de exportação para os chineses está concentrada em commodities: soja (41%), minério de ferro (30%) e petróleo bruto (9%). Enquanto isso, as máquinas e equipamentos compõem a quase totalidade das exportações chinesas para o Brasil” (Estadão, 29/05). Ou seja, a corrente comercial é totalmente assimétrica no sentido tecnológico.
VERDADE: o primeiro ministro Li Keqiang e a presidente Dilma Rousseff assinaram 53 acordos. Na mesa de negociação muitos estudos básicos, incluindo os de ferrovias. Assuntos técnicos, científicos, políticos e diplomáticos. Enfim, não são as marolas das grandes obras que aparecerão como mágicas e nem é uma pasmaceira em que nada se realiza. Tudo tem seu tempo, aliás, como gostam os chineses.