segunda-feira, 21 de agosto de 2023

A privatização da Copel: teoria e prática da desindustrialização

 A Eletrobrás foi obstaculizada até o desespero” (Getúlio Vargas, Carta Testamento).

 

Quis o destino, que poucos dias após consumada a tragédia desindustrializante da privatização da Copel (Companhia Paranaense de Eletricidade), ocorrida a 10 de agosto, o Brasil levasse tremendo choque de apagão elétrico que alcançou 26 estados, paralisando serviços essenciais por horas, trazendo consigo o agudo alerta sobre a Ameaça à Nação, embutida na prática da privatização, que vem sendo cometida contra os brasileiros desde o governo Collor de Mello.

A Copel nasce em 1954, ungida em clamor do povo do Paraná pela sua industrialização. O Governador paranaense, Bento Munhoz, que firmou a criação da nova empresa pública, foi o que testemunhou a confissão do Presidente Vargas, que, em Comício na Boca Maldita em Curitiba, em janeiro de 1954, anunciara o decreto presidencial criando a Eletrobrás, hoje desgraçadamente privatizada, e sob controle de capitalistas especializados na demoníaca tarefa de destruir patrimônios e enriquecer.

Esses mesmos empresários também estão na aliança impatriótica que privatizou a Copel. Nesta confissão, conta Munhoz, Getúlio Vargas lhe dissera que “ao assinar o decreto criando a Eletrobrás, senti como se estivesse assinando meu próprio atestado de óbito”. De fato, apenas oito meses depois o Presidente Vargas estava morto e a Eletrobrás, grafada eternamente em sua Carta Testamento, o documento político mais importante da Nação Brasileira: “A Eletrobrás foi obstaculizada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre”, diz texto que, lido na Rádio Nacional, levou o Brasil aos prantos!

Foi neste clima político que nasceu a Copel. "O Paraná precisa de indústrias e essa frase é a que se ouve a todo instante", dizia-se então pela imprensa na terra das araucárias. A Copel nasceu embalada pela Era Vargas, o período de maior industrialização registrado na nossa história, acompanhada da estruturação de direitos sociais e trabalhistas. Sem energia não há industrialização.

Para sustentar a siderurgia e a industrialização, Vargas criou a Petrobrás e a Eletrobrás. Os inimigos da industrialização brasileira o levaram à sepultura de forma trágica. Tal qual a definição popular de Lênin para explicar os objetivos da Revolução de Outubro, “Socialismo é eletricidade + soviets”, Getúlio explicava seu projeto como a soma de industrialização + direitos sociais, para o qual é indispensável a energia.

Getúlio, em célebre discurso no 1º de maio de 1952, no Estádio do Vasco da Gama, no Rio de Janeiro, também dissera: “Trabalhadores do Brasil, hoje vós apoiais o Governo, amanhã vós serão o governo!”.

O presidente Lula, que estudou no sistema de ensino criado por Getúlio Vargas, para alavancar a industrialização, qualificando trabalhadores (SENAI), elegeu a re-industrialização com prioridade de seu governo, já que são alarmantes os indicadores do recuo da indústria no conjunto de nossa economia.

Até 1980, período em que economistas não colonizados admitem como o fim da Era Vargas (1930-1980), o Brasil registrava um PIB Industrial superior ao da China e dos Tigres Asiáticos somados. Hoje, o PIB Industrial do Brasil não alcança metade do chinês, e também recuou em relação à indústria dos Tigres Asiáticos. Foram vários governos contra a indústria brasileira, sucessivamente. A partir de João Figueiredo, o financismo deletério e antinacional passa a dominar a política econômica no Brasil. O ápice da autodestruição foram, evidentemente, os oito anos da Privataria de FHC, que anunciou ao tomar posse “Precisamos acabar com a Era Vargas!”. Estamos colhendo os frutos desta demolição.

Mas, é preciso que se diga, que mesmo anunciando a reindustrialização como prioridade de seu terceiro governo, o Presidente Lula manteve em seus dois mandatos anteriores taxas de juros tão elevadas que em muito contribuíram para a desindustrialização do Brasil. É do próprio presidente Lula a frase “nunca antes os banqueiros ganharam tanto dinheiro como em meu governo!” . Lamentavelmente, é verdadeira a frase. É certo que houve um freio nas privatizações durante a era Lula, mas elas não deixaram de acontecer, tendo sido privatizados três bancos públicos estaduais, houve avanço na privatização da Embraer, iniciada por Itamar Franco, e a quebra do Monopólio Estatal dos Seguros e Resseguros, aplaudia pela alta finança da Faria Lima, em nota oficial.

Brizola estatiza eletricidade para industrializar os pampas.

Nesta batalha histórica pela industrialização e a necessária produção da energia elétrica, houve notáveis episódios em que o patriotismo de brasileiros se destacou. Cito dois. Em 1959, o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, foi procurado por industriais do RS, que lhe disseram: sem energia elétrica não se poderia industrializar o Estado. Brizola, inicialmente, tentou ação coordenada com a concessionária estadunidense Bond and Share, com investimentos conjuntos para expandir a eletrificação gaúcha. Diante da recusa da empresa norte-americana, o governador promoveu a auditoria nas contas da concessionária, pela qual constatava haver lucros abusivos, muito superiores ao investimento inicial realizado e, pela cabal realidade das estatísticas, na prática, o povo gaúcho já havia pago muito mais do que todo patrimônio, permitindo-se afirmar que aquela empresa já deveria, de fato, ser do povo gaúcho. E decide estatizar a empresa de produção e distribuição de eletricidade, o que foi de crucial importância para a industrialização do Rio Grande do Sul.

Itamar Franco mobiliza tropas da PM contra privatização de Furnas. Outro episódio, eivado de patriotismo em defesa do patrimônio público, e do binômio energia-industrialização, se deu quando o governador mineiro, Itamar Franco, opondo-se à privataria de FHC, que pretenda desnacionalizar Furnas, mobilizou tropas da PM de Minas Gerais, que ocuparam instalações da empresa estatal, visando defendê-la da sanha entreguista tucana. Talvez o governador Itamar já estivesse arrependido das privatizações que fizera como Presidente da República, arrependimento que também alcança hoje vários países, inclusive europeus, que, confrontados com os prejuízos causados pela privatização, empreendem a reestatização (https://www.publico.pt/1999/12/20/jornal/itamar-declara-guerra-total-a-fhc-128125).

Itamar Franco não era um bolivariano, mas foi capaz deste gesto público, de estadista, para salvar Furnas da privataria tucana. Assim, chega a ser surpreendente que o Presidente Lula não tenha feito qualquer declaração, ou um gesto sequer, para impedir a privatização da Copel, que aponta para a desindustrialização do Paraná. Surpreende mais ainda não ter o presidente Lula usado de suas prerrogativas para anular o decreto presidencial de Bolsonaro que instalou o processo ilegal de privatização da Copel. Foi amplamente divulgado que o presidente Lula revogou 230 decretos de Bolsonaro. Menos este da privatização da Copel.

 O presidente Lula3 teve participação destacada no Fórum pelo Desenvolvimento, na França, organizado pelo presidente Macron, que, longe de ser bolivariano, reestatizou o sistema elétrico de seu país, seja pelos prejuízos trazidos pela privatização, seja por agudas questões de soberania nacional. No evento, Lula elogiou, corretamente, a matriz energética brasileira, das mais renováveis do mundo, fruto de sistemática intervenção estatal, iniciada por Getúlio Vargas, que pressentira a proximidade da morte ao criar a Eletrobrás. No pronunciamento, em Paris, Lula não fez menção à “privatização bandida” da Eletrobrás, expressão que cunhara ao definir aquele crime de lesa pátria. Naquele Fórum, o exemplo energético para o desenvolvimento e a industrialização, defendidos enfaticamente pelo líder brasileiro, estava com o Presidente da Macron, que agiu concretamente reestatizando o sistema elétrico francês.

Certamente, em suas conversações com Macron, pairava a sombra de que, enquanto um país industrializado reestatizara, o outro, que tanto precisa industrializar-se, acaba de sofrer dois agudos golpes desindustrializantes, a privatização da Eletrobrás, e, agora, a da Copel.  Ou seja, aquela Destruição da Era Vargas, anunciada por FHC como meta antinacional, ainda está em evolução, deixando perplexos os que constatam o descompasso entre a prioridade conferida à industrialização e a realidade dos fatos.

A privatização da Copel leva consigo, numa só tacada, além das usinas e das águas, outra estatal, a Compagás, criada durante o governo Requião, e pertencente à estatal de energia, agora de propriedade de fundos de capital vadio estrangeiros. Vale lembrar que durante os oito anos de seu governo, Requião manteve congeladas as tarifas de energia, tendo criado tarifas sociais e promovido programas como o da Irrigação Noturna, com tarifas especiais, visando alavancar a economia paranaense.

Há tendência internacional pela reestatização.

Numa única operação, o povo do Paraná e o Brasil perderam duas ferramentas de desenvolvimento, essenciais neste momento crucial em que o Brasil busca reingressar na trilha da industrialização.

A privatização da Copel - como a da Eletrobrás - significa duro golpe ao modelo energético brasileiro, reconhecido mundialmente por sua característica renovável, e que foi elogiado, com justiça, pelo Presidente Lula em seu pronunciamento na França.

Mas a posição de Lula contrasta com a do Presidente Macron, que reestatizou o sistema energético francês, seguindo tendência internacional, pois também a Alemanha, Portugal e o México reestatizaram seus respectivos sistemas elétricos nacionais.

Enquanto se registra essa tendência pela reestatização de sistemas elétricos e de outros, seja em razão dos fracassos trazidos pela privatização seja por necessidades das soberanias nacionais, o Brasil segue o curso contrário aos sinais que vêm do mundo, e se desfaz de ferramentas de desenvolvimento e de industrialização, mesmo quando reconhece a inegável prioridade da reindustrialização do País. Faz-se urgente a vigorosa correção de rumos.

 

Beto Almeida, jornalista

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