Algumas decisões judiciais já relacionam o contágio pela doença com a atividade profissional. Só no primeiro trimestre, número de casos na primeira instância cresceu 115%
Recentemente, uma decisão de primeira instância relacionou a covid-19 com o trabalho, determinando a natureza ocupacional da doença. O caso não é isolado, mas também não predomina entre os que passaram a chegar à Justiça do Trabalho desde 2020. O tema passou a aparecer com mais frequência com o avanço da pandemia. De acordo com o Tribunal Superior do Trabalho (TST), por exemplo, foram 2.397 casos novos sobre covid distribuídos nas Varas do Trabalho (primeira instância) de todo o país no primeiro trimestre, crescimento de 115% sobre igual período de 2020. O total geral (372.117) caiu 3,8%.
No Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15), em Campinas, em 2020 foram recebidos 1.243 casos ligados à covid, sendo 844 solucionados. O tribunal não dispõe de dados específicos sobre quais tratam de doença ocupacional. No primeiro trimestre deste ano, foram mais 141 processos.
Natureza ocupacional
Já no da 2ª Região (TRT-2), por exemplo, apenas nos últimos cinco meses, de novembro até março, foram recebidos 934 processos relacionados à covid-19. Os que relacionam covid e doença ocupacional são 42. O TRT-2 é o maior do país, abrangendo Grande São Paulo e Baixada Santista. Foi nessa região que saiu a decisão citada acima, após ação civil publica movida pelo Sindicato dos Trabalhadores da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (Sintect) contra os Correios. O juiz Willian Alessandro Rocha, da Vara de Trabalho de Poá, na Grande São Paulo, reconheceu a natureza ocupacional da covid-19, entendendo que a ECT não adotou medidas para reduzir os riscos de contágio. Ele determinou que a empresa realizassem teste para detecção da covid-19 em todos os empregados naquela unidade, além de ações de prevenção.
Exposição ao risco
Na decisão, o magistrado observou que seis funcionários contraíram a doença na mesma época, considerando “muito provável” que a contaminação tenha ocorrido em função do trabalho, pela exposição ao risco. Assim, o nexo causal seria presumível, concluiu, ainda que não haja prova definitiva. A empresa recorreu, mas a 9ª Turma do TRT manteve a decisão.
Já a Justiça do Trabalho de Minas Gerais reconheceu como acidente de trabalho a morte, pela covid-19, de um motorista de caminhão. A decisão, nesse caso, foi do juiz Luciano José de Oliveira, na Vara de Três Corações. (MG). A empregadora do motorista, uma transportadora, foi, inclusive, condenada a pagar indenização de R$ 200 mil, por danos morais, e outra por danos materiais, em forma de pensão, até a filha do trabalhador completar 24 anos.
A família alegou que ele foi infectado devido à função que exercia. O motorista sentiu os primeiros sintomas em 15 de maio, após viagem de 10 dias de Extrema (MG) para Maceió e Recife. A empresa alegou que sempre cumpriu as normas de segurança, ofereceu os equipamentos necessários e orientou os funcionários sobre medidas de prevenção. O juiz adotou a chamada teoria da responsabilização objetiva, por assumir o risco de submeter o trabalhador em um período agudo de pandemia.
Notas técnicas
O Ministério Público do Trabalho (MPT) divulgou várias notas técnicas relacionadas à covid-19. Na NT 20, por exemplo, orienta os médicos a solicitar da empresa a Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT) quando se confirma o diagnóstico de covid-19, “ainda que na suspeita de nexo causal com o trabalho”. Para o MPT, é “dever das empresas de reduzir os riscos inerentes ao trabalho, mediante a adoção de normas de saúde e segurança”.
Por sua vez, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho também elaborou uma nota técnica, na qual afirma que a covid-19 pode, conforme o caso, ser considerada doença do trabalho. “As circunstâncias específicas de cada caso concreto poderão indicar se a forma como o trabalho foi exercido gerou risco relevante para o trabalhador”, diz a Secretaria, admitindo também o enquadramento como acidente do trabalho.
No local de trabalho
Em entrevista ao portal da CUT, a secretária de Saúde do Trabalhador da central, Madalena Margarida Silva, afirma que apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF) determinar que a covid-19 pode ser considerada doença do trabalho, os empregadores resistem a reconhecer essa relação. “Há denúncias constantes de trabalhadores aos sindicatos e a mídia tem mostrado o tempo todo o número de pessoas que se aglomeram nos transportes porque são obrigadas a ir ao o trabalho presencial”, diz Madalena. “Onde esses trabalhadores pegam covid? Na maioria dos casos é sim nos locais de trabalho, por não ter um protocolo de segurança definido e nos transportes. São locais de grande exposição ao risco.”
O ideal, lembra, seria um efetivo lockdown. Ou seja, isolamento social sério, com garantia de renda por parte do governo federal. Assegurando assim, sobrevivência, ao mesmo tempo em que se reduziriam as chances de proliferação do vírus. “Várias medidas do governo durante a pandemia prejudicaram ainda mais os trabalhadores. A gente vê a falta de proteção ao emprego, às micro e pequenas empresas, tudo isso deixa o país no caos em que está, sem perspectiva de melhora, com desemprego e número de mortos aumentando a cada dia”, lamenta.
Fonte: Rede Brasil Atual
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