A remuneração pelas horas in itinere — ou seja, o tempo de deslocamento até o trabalho — foi o tema usado como paradigma para a decisão do Tribunal Superior do Trabalho, nesta segunda-feira (25/11), sobre a aplicação das mudanças promovidas pela reforma trabalhista de 2017 a contratos que já existiam à época em que a norma entrou em vigor. Mas esse não foi o único direito afetado pela decisão.
A reforma extinguiu uma série de direitos trabalhistas. E o TST decidiu nesta segunda que esses direitos são inválidos para quaisquer contratos de trabalho — tanto novos quanto aqueles que já existiam — desde 11 de novembro de 2017.
Um exemplo disso é o intervalo intrajornada. Antes da reforma, quando o intervalo dentro da jornada não era concedido, o empregador era obrigado a pagar todo o período, com acréscimo de 50%.
Porém, a lei de 2017 restringiu o pagamento ao período suprimido — ou seja, o período de intervalo usufruído precisa ser descontado.
Assim, se o empregado fizer apenas 15 minutos de intervalo (em vez de uma hora), a empresa deve pagar o valor correspondente a 45 minutos. Com a decisão do TST, isso vale também para contratos vigentes no dia em que a reforma entrou em vigor.
Outro exemplo é a incorporação de gratificação por função. Antes de 2017, todo empregado que recebesse por mais de dez anos a gratificação pelo exercício de função comissionada continuava com esse direito mesmo se fosse revertido ao seu cargo efetivo. Mas a reforma estipulou que essa reversão não garante a manutenção do pagamento da gratificação.
A CLT pré-2017 também exigia um descanso mínimo de 15 minutos para as mulheres antes das horas extras. Isso foi revogado pela reforma trabalhista.
Caso concreto
O caso levado ao Pleno do TST discutia as horas de deslocamento do empregado até o local trabalho. Desde a reforma, esse tempo de percurso não é mais considerado tempo à disposição do empregador.
Uma trabalhadora da empresa alimentícia JBS pediu para ser remunerada pelas horas de trajeto no ônibus fornecido pela empresa entre 2013 e 2018. Em primeira e segunda instâncias, houve condenação ao pagamento dessas horas, mas limitado até o início do período de vigência da reforma.
Em 2021, a 3ª Turma do TST excluiu essa limitação e condenou a empresa a pagar também as horas do período posterior a 11 de novembro de 2017.
A JBS recorreu à Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do TST, que resolveu enviar o caso ao Pleno, para julgamento pela sistemática dos recursos repetitivos.
Prevaleceu o voto do ministro Aloysio Corrêa da Veiga, segundo o qual “inexiste direito adquirido a um determinado estatuto legal ou regime jurídico”.
“Quando o conteúdo de um contrato decorre de lei, a lei nova imperativa se aplica imediatamente aos contratos em curso, quanto a seus fatos pendentes e futuros”, disse o magistrado.
Importância
De acordo com Vanessa Dumont, advogada da JBS e sócia do escritório Caputo, Bastos e Serra Advogados, a decisão do TST “pacifica o tema, que ainda era objeto de divergência entre as turmas do tribunal”.
Ela ressalta que a tese “está em harmonia com o posicionamento do Supremo de que inexiste direito adquirido a regime jurídico ou estatuto jurídico, especialmente nas relações de trato sucessivo”.
Para Vanessa, o julgamento também traz segurança jurídica para as empresas — “pela confiança de que as relações contínuas de trabalho serão regidas pelas normas abstratas atualmente vigentes” — e para os trabalhadores — “pois a identidade de tratamento jurídico entre contratos antigos e novos desincentiva demissões para redução de custos”.
A advogada trabalhista Alessandra Barichello Boskovic, sócia do Mannrich Vasconcelos Advogados, diz que “os contratos de trabalho são de trato sucessivo, ou seja, as obrigações recíprocas se renovam a todo tempo”. Assim, “negar a a incidência da reforma trabalhista às relações que já estavam em vigor implicaria ignorar essa característica do contrato de trabalho”.
Na sua visão, um entendimento diferente do TST dificultaria a administração dos contratos vigentes por parte das empresas: “Empregados contratados um dia antes da entrada em vigor da reforma poderiam ter direitos diferentes daqueles contratados um dia depois”.
Segundo o advogado Marcus Brumano, sócio do Castro Barros Advogados na área trabalhista, “a decisão traz maior segurança jurídica para os empregadores, considerando a divergência jurisprudencial que existia tanto nos Tribunais Regionais do Trabalho quanto no próprio TST”.
Processo 528-80.2018.5.14.0004
Fonte: Consultor Jurídico
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