quinta-feira, 1 de julho de 2021

Em 1958, Brasil tinha 1.258 Sindicatos

 Essa história é longa e espero que você tenha paciência pra ir até o fim.


O começo é uma tarde de sábado em que entrei num sebo e topei com o livro “Retrato sem retoque”, de Adalgisa Nery, que conhecia como companheira e musa de Ismael Nery, tantas vezes por ele retratada.


Havia pouco tempo eu tinha visto exposição de Ismael no MAM, em SP, de cujos quadros saltavam a beleza e o carisma da companheira.


Não sabia, e o livro veio me informar, que ela havia sido jornalista e colunista do Última Hora, em cuja seção, “Retrato sem retoques”, expunha sua posição progressista e nacionalista.


Bela, inteligente e ousada, Adalgisa havia vivido até 1934 com Ismael, que morreu naquele ano. Tempos depois, viria a se casar com Lourival Fontes, um homem forte de Getúlio e responsável pelo setor de propaganda do governo. Vale registrar que foi eleita deputada estadual pelo PTB, na Guanabara.


Detalhes de sua vida pessoal, seu despojamento e retiro, nos últimos anos, podem ser encontrados na internet. Vou me concentrar na análise objetiva que ela faz, entre as páginas 150 e 160 do livro, no capítulo “Problemas do movimento sindical”.


Números

Estudo do Senai, em 1960, dava conta de que a Capital paulista tinha população de 3,8 milhões. Desses, 600 mil eram operários. Em todo o Estado, 1 milhão. Quanto ao País, ela escreve, “os trabalhadores na indústria já serão 3,5 milhões”. E segue: “Em outros setores da atividade urbana assinala-se idêntico crescimento, tanto na esfera do comércio como dos bancos e do transporte”. E conclui: “Lamentavelmente, esse aumento não vem se traduzindo num automático reforçamento dos Sindicatos”.


Quanto à sindicalização, a escritora menciona inquérito do Serviço de Estatística da Previdência e Trabalho, de 1958, pra informar que: 1) Há 1.258 Sindicatos de empregados no País… e 1.120.193 associados. Ela opina: “Trata-se de um índice baixíssimo”, e expõe suas razões.


CNTI – A Confederação conta com pouco mais de 50 Federações. O setor metalúrgico compreende 80 Sindicatos e quatro Federações estaduais. “Seguem, por ordem de importância, os Sindicatos e Federações dos Têxteis, Construção Civil etc.”


Informa: “O inquérito em questão assinalou a existência de apenas 654.923 associados em todas as organizações sindicais do setor industrial, o que corresponderia a menos de 20%”. Quanto aos metalúrgicos, “são 700 mil operários, ou seja, 20% do conjunto do proletariado”.


A sindicalização? Adalgisa Nery mostra: “No Sindicato de Volta Redonda, a sindicalização atinge mais de 90%, com dois terços de ativistas”. Na Guanabara, “esse índice é inferior a 50%, caindo pra 30% na Capital de São Paulo”.


O texto de Adalgisa Nery também retrata marítimos, transportes terrestres e bancários. Escreve: “A Contec e os Sindicatos de Bancários tinham 55.318 associados, pra um número de empregados da ordem de 120 mil – sindicalização pouco inferior a 50%”.


Comércio – Na página 152, os dados relativos aos comerciários dão conta de que já são “talvez uns três milhões, havendo apenas 176.230 sindicalizados, em 1958”. Quanto às profissões liberais, havia 116 Sindicatos, com 35.231 associados.

 

Política – Atenta às tendências ideológicas, Adalgisa Nery observa: “Nos últimos 15 anos do sindicalismo nacional, verifica-se que foram se constituindo duas tendências antípodas – a comunista e a anticomunista, arrastando os Sindicatos pra toda uma série de problemas correlatos”.


Em seguida, a escritora se apoia em dois documentos de Congressos. O Primeiro Congresso do Sindicalismo Democrático, em SP, baba-ovo da livre iniciativa. E avança, quanto à outra corrente: “Também os comunistas e os que seguem sua orientação dão o melhor de seus esforços às questões políticas, esquecidos de sua condição primeira de dirigentes sindicais ou associados a Sindicatos”. Os anticomunistas, registra, “querem se filiar à Ciosl-Orit; os comunistas querem atrelar o movimento brasileiro à FSM-CTAL”.


Greve – Adalgisa Nery analisa as duas greves gerais convocadas em 1962: “A primeira greve limitou-se ao setor de transportes. Em São Paulo, salvo no Porto de Santos, não foi atendida a ordem de paralisação geral”. A segunda, observa, malogrou ainda mais por ter sido decretada num fim de semana.


E a pauta? No início, exigia revogação da Lei de Segurança Nacional; primeiro plebiscito a 7 de outubro; reforma eleitoral sem discriminação de candidatura e voto para analfabetos e soldados; reforma agrária radical, que dê terra e meios aos camponeses; aumento de 100% para o salário mínimo e, no final da lista de 10 reivindicações, salário-família.


Após a greve, a lista ficou assim: 1) Libertação imediata dos grevistas detidos, porque são trabalhadores e patriotas; 2) Anulação dos processos contra os grevistas; 3) Garantia pelo Ministério do Trabalho que a greve será considerada legal; 4) Constituição de um governo nacionalista e democrático; 5) Aumento de 100% no salário mínimo; 6) Anulação da Portaria que regulou os Sindicatos rurais; 7) Aplicação imediata da lei de limitação de remessas de lucros; 8) Intervenção governamental, pra impedir a majoração nos preços dos artigos de consumo, gêneros de primeira necessidade e medicamentos; 9) Entendimento pessoal com o Presidente.


Ao final, sem medo de expor suas opiniões, arremata Adalgisa Nery: “Cremos que esses fatos corroboram a urgência da adoção de uma política sindical em comum para os agrupamentos da esquerda democrática”.


Atenta e ligada no movimento, como se diz hoje, o próximo capítulo do livro analisa a questão estudantil. Mais esse será assunto pra um outro sábado, uma outra tarde de sábado, caso possa.


Jornalista, coordenador da Agência Sindical.

www.facebook.com/joao.franzin.1

Fonte: Agência Sindical

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