quarta-feira, 27 de julho de 2016

Antônio Queiroz: Reforma trabalhista e fontes de direito

O movimento sindical precisa urgentemente buscar aliados na sociedade, especialmente entre os defensores dos direitos humanos, para evitar que esses retrocessos se materializem. Só com grandes campanhas de esclarecimento sobre o que significam essas reformas e muita mobilização e pressão será possível fazer um enfrentamento minimamente vitorioso, senão com a rejeição de todas essas propostas malucas, pelo menos com uma drástica redução de seu escopo. Os desafios são grandes e todos precisam se mobilizar, sob pena de perda de direitos históricos.

Antônio Augusto de Queiroz*

O trabalho no Brasil possui três fontes de direitos: 1) a lei em sentido amplo (Constituição, leis complementares e ordinárias, e tratados internacionais, como as convenções da OIT), 2) a negociação coletiva (acordos e convenções coletivas de trabalho) e 3) a Sentença Normativa da Justiça do Trabalho.

A reforma trabalhista, nos termos propostos pelo ministro do Trabalho, que inclui a terceirização generalizada, a prevalência do negociado sobre o legislado e a retirada da vigência provisória do programa de proteção ao emprego (PPE), atinge todas essas fontes de direito, comprometendo, de forma irremediável, as conquistas laborais, mediante a flexibilização, redução ou eliminação de direitos.

A terceirização, no formado aprovado na Câmara e enviado ao Senado, generaliza essa prática, atualmente restrita a atividade-meio da empresa, autoriza a pejotização, permite quarteirização e compromete a representação sindical dos trabalhadores.

Assim, em lugar de dar garantias aos trabalhadores terceirizados, precariza os direitos dos atuais trabalhadores contratados diretamente pela empresa, sem intermediação de mão de obra. Além disso, permite que o trabalhador se transforme em pessoa jurídica, permitindo a empresa tomadora do serviço contratar um serviço e não um empregado, com todas as consequências que disso decorre, como a completa ausência de garantias trabalhistas e previdenciárias.

No caso da prevalência do negociado sobre o legislado, a consequência será a extinção do Direito do Trabalho como norma de ordem pública e caráter irrenunciável. A lei só valerá se acordo ou convenção coletiva (e há quem defenda que essa negociação pode ser direta entre empregado e empregador) não dispuser de modo diferente.

A mudança, caso aconteça, altera completamente a relação de trabalho atual, na qual nenhum sindicato, exceto em situações excepcionalíssimas, poderá negociar redução de direitos. A negociação é sempre para acrescentar, já que os direitos assegurados em lei são inegociáveis ou irrenunciáveis.

Com a nova regra, o patrão adquire um poder de barganha que atualmente não dispõe: o de ameaçar mudar a planta da empresa para outra localidade, caso os trabalhadores não forcem o sindicato a aceitar a redução ou eliminação de alguns direitos. O empregado, para preservar o essencial, o emprego, certamente cederá no acessório, ou seja, abrirá mão de alguns direitos ou conquistas, desmoralizando a organização sindical.

A retirada do caráter provisória do programa de proteção do emprego (PPE), por sua vez, significará uma forma de flexibilização, ainda que em menor escala do que a prevalência plena do negociado sobre o legislado, já que tem que comprovar uma situação de crise real. De qualquer forma, representará um retrocesso, que, aliás, foi tentado quando da votação da lei no Congresso Nacional.

A reforma trabalhista em debate, portanto, poderá comprometer não apenas o Direito do Trabalho, que perde seu caráter irrenunciável e de ordem pública, mas também a própria Justiça do Trabalho, que só se justifica para fazer cumprir os direitos trabalhistas, além de inviabilizar a própria organização sindical, que passará a enfrentar a pressão do trabalhador e não mais diretamente do patrão. O risco de retrocesso, realmente, é muito grande, se considerarmos a correlação de forças no governo e no Parlamento.

Não bastasse tudo isso, os representantes empresariais e governamentais enlouqueceram, ao proporem o retorno ao período medieval, cujas práticas são equivalentes ao trabalho escravo ou degradante. Líderes de importantes entidades empresariais têm defendido: 1) intervalo de 15 minutos para almoço e, ainda assim, com o trabalhador comendo um sanduiche com uma mão e operando a máquina com a outra, 2) jornada semanal de 80 horas. E autoridades governamentais pretendem propor idade mínima de 70 para aposentadoria. Aonde vamos chegar?

O movimento sindical precisa urgentemente buscar aliados na sociedade, especialmente entre os defensores dos direitos humanos, para evitar que esses retrocessos se materializem. Só com grandes campanhas de esclarecimento sobre o que significam essas reformas e muita mobilização e pressão será possível fazer um enfrentamento minimamente vitorioso, senão com a rejeição de todas essas propostas malucas, pelo menos com uma drástica redução de seu escopo. Os desafios são grandes e todos precisam se mobilizar, sob pena de perda de direitos históricos.

(*) Jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap
Fonte: Diap

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