segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Temer e o setor elétrico: privatização e aumento de preços

Os impactos são diversos e vão muito além da previsão de aumento de 7% na conta de energia. O projeto significa o desmonte da Eletrobras e afeta sua capacidade para liderar os investimentos no setor, ameaçando a segurança energética do país
O governo expôs à sociedade brasileira seu projeto de reestruturação radical do setor elétrico brasileiro e um dos seus principais elementos é o fim da Eletrobras como a conhecemos. Este projeto encontra seu sentido mais profundo no movimento de intensificação da acumulação por espoliação, com a eliminação de direitos sociais e a extração de renda e riqueza dos trabalhadores por meio, sobretudo, da mercantilização das políticas públicas e dos espaços públicos. No setor elétrico, este movimento se articula com o avanço da financeirização e desnacionalização, representando, assim, a desativação dos centros internos de decisão e constituindo uma séria ameaça à soberania do país.
O projeto para o setor elétrico brasileiro foi revelado por meio da apresentação de uma nota técnica do Ministério de Minas e Energia (MME) para consulta pública, prenunciando a iminente edição de uma Medida Provisória. A nota apresenta uma proposta de ampliação da participação do mercado livre e de extinção do regime de cotas na geração. Essas medidas representariam, de um lado, a ampliação do mercado livre e uma maior liberdade para a atuação das comercializadoras (agentes autorizados a comprar e vender energia, ainda que não produzam nenhum kWh).
Aliada à proposta de separação entre lastro e energia, essas medidas possibilitariam uma ampliação considerável do mercado de “apostas” no setor elétrico, levando o processo de financeirização para um novo patamar. Por outro lado, a extinção do regime de cotas, um regime de remuneração regulada pelo custo, atingiria sobremaneira a Eletrobras, com o único intuito de jogar a energia mais barata vendida pelas cotas para o mercado livre, onde os preços são mais elevados, agradando apenas alguns agentes e investidores, mas tendo como consequência imediata a elevação dos preços da energia elétrica.
Esse movimento do governo acontece num momento em que ele passa a enfrentar uma crescente pressão, por conta de uma chuva de denúncias e cuja resposta foi a adoção de uma tática desesperada de buscar o apoio do “mercado” a qualquer custo. É aí que entra a entrega de ativos da Eletrobras, ainda que essa tática envolva um projeto de mudança radical no setor elétrico, a quebra de contratos e a alteração de um marco regulatório muito recente (Lei 12.783/13). Curioso notar que, nesse momento, os defensores de sempre da estabilidade jurídica e regulatória não têm se manifestado.
Para além destas, existem medidas já em andamento que independem da edição de medida provisória e que também promovem o esvaziamento da Eletrobras. O processo de privatização das distribuidoras da Eletrobras está programado para ser concluído no segundo semestre de 2017, assim como a venda das participações da empresa em mais de 74 Sociedades de Propósito Específico (SPEs).
A venda dessas participações significa que a Eletrobras e suas subsidiárias deixarão de participar da gestão dessas usinas e linhas de transmissão. Essas vendas podem ser estendidas para mais SPEs, pois a Eletrobras já anunciou que deseja se desfazer inclusive das participações nos grandes projetos, como Belo Monte e Santo Antonio. Completa o quadro o caso da Usina Nuclear Angra 3, ativo nacional estratégico para o qual o atual governo pretende abrir uma licitação que permita a entrada de um parceiro, provavelmente estrangeiro, para finalização do projeto.
Outras medidas em andamento são o Plano de Aposentadoria Extraordinária (PAE) e a redução do plano de investimentos. O PAE deve atingir cerca de 2 mil trabalhadores do Sistema Eletrobras. Com a venda das distribuidoras, a medida pode significar a redução do quadro de funcionários da empresa de 23 mil para cerca de 14 mil trabalhadores.
O plano de investimentos (PDNG) 2014-2018 da Eletrobras previa investimentos da ordem de R$ 60 bilhões. O novo plano de investimentos 2017-2021 prevê um montante de investimentos de apenas R$ 35,8 bilhões, o que significa que a empresa não planeja entrar em nenhum novo projeto nos próximos cinco anos, mas apenas manter os compromissos com investimentos já contratados.
Para se ter a dimensão do potencial destrutivo da proposta e das medidas em curso, basta observarmos alguns dados. As usinas em regimes de cotas representam mais de 1/3 da capacidade instalada de geração e 80% dos ativos de transmissão da empresa. As SPEs representam hoje 15% da capacidade instalada de geração e 10% da transmissão.
A privatização das usinas da Eletrobras em regime de cotas e a venda de todas as participações em SPEs representariam uma redução de 31% para menos de 15% da participação da empresa no mercado (Market share) de geração brasileiro e uma redução de 47% para menos de 5% no mercado de transmissão de energia elétrica. Isso equivale praticamente à quase imediata extinção da Chesf e a redução de Furnas a 1/3 de seu tamanho atual. Além disso, a privatização das distribuidoras e das usinas e linhas em regime de cotas pode representar para a Eletrobras uma redução de mais de R$13 bilhões anuais de Receita Bruta, ou aproximadamente 40% da sua Receita Operacional Líquida.
Portanto, os impactos desse projeto são diversos e vão muito além da previsão de aumento de 7% na conta de energia revelados pelos jornais. Ele significa o desmonte da Eletrobras e afeta sua capacidade para liderar os investimentos no setor, ameaçando seriamente o nível de investimentos necessários para a segurança energética do país e a capacidade do setor público de levar adiante os investimentos necessários para o setor elétrico e para o desenvolvimento do país.
Não há, nesse projeto, preocupação com modicidade tarifária, com o nível de investimentos, com a maior pressão nas contas externas do país gerada pelo aumento nas remessas de lucros para o exterior causado pelas empresas estrangeiras e, mais grave, não há preocupação com a soberania nacional.
Tudo isso ocorre em meio a novos capítulos da “privataria”, como expõe a contratação do Banco BTG para o processo de venda das SPEs da Eletrobras, num momento em que a empresa tenta explicar o crescimento exponencial das contratações com dispensa de licitação. Reina a hipocrisia enquanto o dogma neoliberal respalda a busca pela “eficiência econômica” através das privatizações a fim de garantir que o Estado assegure a manutenção dos lucros e dos privilégios dos oligarcas financeiros e dos grupos rentistas.
Parece que estamos assistindo à repetição de um filme passado nos anos noventa, mas com um sério agravante: agora o governo sabe que tem pouco tempo para colocar seus planos em prática e não tem nenhum compromisso com os anseios populares. Em função disso, suas ações prescindem de qualquer planejamento ou preocupação com o futuro do país.

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