quarta-feira, 10 de abril de 2019

A próxima “reforma” do governo Jair Bolsonaro (PSL)

Guedes anuncia proposta que é mais radical que a Desvinculação de Receitas da União (DRU) e a medida de congelamento do gasto público. Governos ficarão livres de destinar percentuais da receita para políticas públicas específicas.

Antônio Augusto de Queiroz*

O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou que já está pronta a nova proposta de emenda à Constituição (PEC) do governo Bolsonaro, que tem triplo objetivo:

1) a desvinculação de receita e despesas do orçamento público;

2) a retirada do caráter obrigatório dos gastos públicos, inclusive educação e saúde; e

3) a desindexação das despesas governamentais. Essa proposta iniciará sua tramitação pelo Senado para não atrapalhar a votação da reforma da Previdência na Câmara dos Deputados.

Segundo a visão do governo, essa nova proposta, além de complementar a reforma da Previdência, cumpriria a função de atrair o apoio dos governadores, já que essa “desafeta” o orçamento público — é assim que são chamados os investimentos obrigatórios em saúde, educação, ciência e tecnologia — nos 3 níveis de governo, permitindo que União, estados, Distrito Federal e municípios fiquem livres das “amarras” constitucionais para gastar o orçamento público, sem ter que destinar percentuais da receita para políticas públicas específicas.

A ideia, inicialmente pensada como “plano B” ou alternativa à hipótese de fracasso da reforma da Previdência, passou a ser vista como complementar, já que, sem a desvinculação/desobrigação/desindexação, não teria como cumprir o teto de gastos, e o valor economizado com a Previdência continuaria engessado, tendo que investir ou gastar com políticas públicas, dificultando o plano de honrar os compromissos com a dívida pública.

A nova proposta, na verdade, é uma radicalização da Desvinculação de Receitas da União (DRU) e da Emenda Constitucional 95, do congelamento, em termos reais, do gasto público. É a autorização para o chamado orçamento de “base zero”, em que cada ano o governo e o Congresso Nacional decidem como devem gastar o produto dos impostos e das contribuições sociais.

Com a desvinculação não haveria mais a obrigação automática de destinar percentual da receita dos impostos para: o Fundo de Participação dos Estados e Municípios, as ações e serviços de saúde, a manutenção e desenvolvimento do ensino, as atividades prioritárias da administração tributária ao Fundo Estadual de Fomento à Cultura e a autorização de abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receitas.

A desvinculação também alcançaria as contribuições sociais, que só se justificam se estiverem vinculadas à prestação de serviço ou a benefícios sociais. As contribuições, que superam em 70% as receitas dos impostos, deixariam de estar vinculadas a fundos que abastecem as despesas com benefícios sociais e previdenciários.

A desobrigação ou a retirada do caráter obrigatório da despesa, por sua vez, teria a função de “liberar” o orçamento, que atualmente tem 96% de sua composição obrigatórios e somente 4% discricionários. Ou seja, todas as despesas de caráter continuado, derivadas de leis ou de medidas provisórias, deixariam de ser obrigatórias.

A título de ilustração, basta dizer que entre as despesas obrigatórias estão: as transferências constitucionais, as despesas de pessoal e encargo, os serviços da dívida, os abonos salariais do PIS, os benefícios de prestação continuada (BPC), os precatórios, as sentenças judiciais, o seguro-desemprego, as indenizações legais e os pisos de gastos com saúde e educação, entre outros.

Por fim, a desindexação, que consistiria na retirada de qualquer garantia de correção automática para serviços e prestações do Estado, inclusive a de natureza alimentar, como benefícios previdenciários, assistenciais e salários. Isso também já está sendo proposto na PEC da reforma da Previdência, que retira da Constituição a previsão de correção dos benefícios previdenciários e assistenciais.

Se o governo Bolsonaro conseguir aprovar essas duas reformas — a da Previdência e a “super DRU” ou pacto federativo nos termos propostos — e entregar o pacote do Moro de “combate à corrupção” já terá se igualado ao de Michel Temer em termos de favorecimento ao mercado. Temer, que quando foi preso não recebeu nenhuma solidariedade dos agentes privados, também entregou três propostas de interesse do mercado: a reforma trabalhista, a autorização generalizada para privatizar as estatais e o congelamento do gasto público, batizado de novo regime fiscal.

O desafio está posto. Ou os partidos de esquerda, os movimentos sociais e os democratas se unem ou haverá o completo desmonte do Estado. Nenhuma das propostas governamentais se concretizará sem sacrificar a classe média, os assalariados e a legião de excluídos que ainda hoje é enorme no contexto social do Brasil.

E esses cidadãos e eleitores, se votaram “enganados” num projeto de moralização da administração pública em 2018, precisam ver que o governo está, na verdade, aprofundando os efeitos da crise sob a promessa de retomada de crescimento, mas sem qualquer garantia, caso venha a dar certo, quanto à distribuição de seus benefícios, exceto ao mercado.

(*) Jornalista, consultor e analista político, diretor licenciado do Diap e sócio-diretor da Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais. Texto publicado originalmente na revista eletrônica “Teoria & Debate”.
Fonte: Diap

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